Ao Cadáver DESCONHECIDO

Hic locus est ubi mors gaudet succurrere vitae

“É este o lugar onde a morte se alegra de socorrer a vida”

Égide do respeito ao Cadáver no estudo da Anatomia Humana*.

A utilização do cadáver representa uma tríplice lição educativa:

  1. Instrutiva/Informativa: como meio de conhecimento da organização do corpo humano, procedendo ao estudo no vivo;
  2. Normativa/Disciplinadora: através do seu caráter metodológico e de precisão técnica da linguagem;
  3. Estético/Moral: pela natureza do material de estudo, o cadáver, e pelo método primeiro de aprendizado, a dissecção, que é experiência e trabalho repousante na contemplação da beleza e harmonia de construção do organismo humano.

Contudo e essencialmente, porém, lição de ética e de humildade, porque:

  1. Não é o cadáver, doado ou indigente, fato isolado da comunidade, mas seu reflexo, dela provindo. O cadáver que é o meio de aprendizado para adequada assistência do vivo, assim portanto tão importante para a sociedade como o é o paciente;
  2. Esses corpos sem vida são vivificados de forma reiteradas pelo calor da juventude estudiosa através do sentimento de gratidão; O cadáver, antes de tudo “um irmão em Humanidade, se entrega despojadamente ao conhecimento que proporciona aos futuros profissionais, de maneira anônima oriunda do jogo do acaso da vida;
  3. O cadáver anônimo ao receber este título – cadáver desconhecido – e assim ultrapassar o limite estreito de um nome e, despersonalizado, distribui elementos para o bem coletivo, sem ter conhecimento quer antes, durante ou depois de sua imolação, do seu destino a um tempo sublime e sagrado;
  4. O Cadáver desconhecido tudo oferece ao conhecimento sem nada haver recebido daquele que o estuda, que dá sem saber que dá e por isso, sem conhecer recompensa da gratidão e sem sentimento do valor  da sua dádiva generosa, na mais nobre expressão de poderosa caridade universal;
  5. O cadáver que dissecado, desmembrado, simboliza outra forma de crucificação para o bem comum e marca o sentido profundamente humano da Medicina;

Portanto o nosso material de estudo transcende pois ao simples valor de meio e objeto de aprendizado; e nos fala em linguagem universal que nos educa na humildade da limitação humana. Eis porque na austeridade do ambiente do Laboratório de Anatomia a atitude física, mental e verbal do aluno deve ser de sobriedade, respeito, meditação e elevada compostura, manuseando as peças anatômicas com o mais profundo sentimento de respeito e carinho.

Nulla Medicina Sine Anatomia

“Ao curvar-te sobre o cadáver desconhecido…

lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas; cresceu embalado pela fé e esperança daquela que em seu seio o agasalhou, sorriu e fitou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens; por certo amou, foi amado e também acalentou um amanhã feliz. Seu nome só Deus o sabe e agora nesta fria lousa, o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir a humanidade numa última missão, ENSINAR.

Ó irmão ignoto que tivestes a morada do espirito, o seu corpo, perturbado em seu repouso imutável por nossas mãos ávidas de saber, apresentamos a ti o nosso respeito permanente e infindo AGRADECIMENTO.”

*Adaptação do texto original “Aula Inaugural”

Professor Renato Locchi (1896-1978) / Emérito de Anatomia Humana da Escola Paulista de Medicina.

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