BAILOUT MANEUVERS NA COLECISTECTOMIA LAPAROSCÓPICA: O QUE FAZER QUANDO A DISSECÇÃO SE TORNA PERIGOSA

Introdução

Embora a colecistectomia laparoscópica seja um procedimento rotineiro e de baixo risco, a chamada “vesícula difícil” representa um dos cenários mais desafiadores da cirurgia digestiva. Inflamação intensa, distorção anatômica e aderências densas podem transformar um procedimento simples em uma operação com potencial de causar lesões biliares e vasculares graves, com impacto direto na morbimortalidade do paciente.

Diante desse cenário, é essencial que todo cirurgião domine as Bailout Maneuvers — manobras de resgate seguras e bem estabelecidas para interromper a progressão de uma dissecção perigosa e evitar complicações catastróficas.


Reconhecendo o Momento de Parar: “Red Flags” Intraoperatórios

Muitas lesões graves ocorrem não por falta de habilidade técnica, mas por falha na percepção do risco. Alguns sinais de alerta devem fazer o cirurgião pausar, reavaliar e reorientar a dissecção:

  • Artéria “cística” incomumente calibrosa (possível artéria hepática).
  • Pulsação intensa atrás do suposto ducto cístico (pode ser ducto hepático comum).
  • Clip grande incapaz de ocluir o ducto (sugere lesão do DBC ou DHC).
  • Presença de bile no campo sem perfuração da vesícula.

Perceber esses red flags pode evitar até 18% das lesões vasculares e biliares relatadas em séries grandes.


Quando o Critical View of Safety Não é Possível

Há situações em que a inflamação é tão intensa que não existe plano anatômico seguro para liberar o Triângulo de Calot. Nesses casos, insistir é o caminho mais rápido para uma lesão maior.

O cirurgião deve reconhecer o limite técnico e aplicar uma manobra de resgate apropriada.


Principais Bailout Maneuvers

1. Abortar o Procedimento

A decisão mais segura em casos extremos:

  • Campo tomado por fibrose, necrose ou tecido friável.
  • Vesícula não identificável.
  • Distinção anatômica impossível mesmo com auxílio.

Condutas subsequentes:

  • Manter antibióticos.
  • Considerar colecistostomia percutânea.
  • Planejar colecistectomia intervalar após 8–12 semanas.

Apesar de não resolver a doença naquele momento, salva o paciente de lesões irreversíveis.


2. Fundus-First Cholecystectomy (Técnica Fundo-Primeiro)

Indicada quando o Calot é impenetrável.

Técnica:

  • Iniciar a dissecção no fundo da vesícula.
  • Avançar cuidadosamente em direção ao infundíbulo.
  • Manter o plano “na parede da vesícula” para evitar o pedículo portal.

Pontos de atenção:

  • Em inflamação severa, o cystic plate pode estar espessado e encurtado.
  • A proximidade com o pedículo hepático aumenta conforme a inflamação destrói planos naturais.

Estudos mostram que a técnica fundo-primeiro reduz a necessidade de subtotal e pode diminuir o tempo de internação.


3. Subtotal Cholecystectomy (Colecistectomia Subtotal)

Opção preferível quando a anatomia permanece obscura após fundus-first.

Técnica geral:

  • Abrir a vesícula.
  • Aspirar conteúdo.
  • Ressecar o máximo da parede possível.
  • Ablacionar a mucosa remanescente.

Existem duas variantes:

A. Reconstituting (Reconstituinte)

  • O remanescente é fechado com sutura.
  • Menor risco de fístula biliar.
  • Maior risco de vesícula residual sintomática.

B. Fenestrating (Fenestrante)

  • O remanescente permanece aberto.
  • Maior chance de fístula, mas geralmente autolimitada.
  • Menor risco de doença residual.

Fechamento do cístico, quando indicado, deve ser interno, pois o fechamento externo pode ocluir o DHC/DBC.


4. Conversão para Cirurgia Aberta

Historicamente considerada a principal manobra de resgate, hoje sabemos que:

  • A conversão não garante segurança.
  • O risco de lesão biliar aumenta até 100 vezes em conversões não planejadas (NSQIP).
  • A anatomia pode permanecer obscura mesmo no campo aberto.

Ainda é válida quando:

  • Há sangramento importante.
  • Há perda completa dos planos anatômicos.
  • Há necessidade de controle manual do pedículo hepático.

Entretanto, em muitos casos, uma subtotal laparoscópica é mais segura do que uma conversão difícil.


Como Escolher a Manobra Correta?

A lógica de decisão deve considerar:

  1. Visibilidade anatômica (CVS alcançável ou não).
  2. Grau de inflamação.
  3. Experiência do cirurgião.
  4. Risco iminente de lesão maior.
  5. Disponibilidade de outro cirurgião para segunda opinião.

Regra prática:

Se você não consegue obter o Critical View of Safety e não está absolutamente certo do que está dissecando, é hora de um bailout.


Conclusão

A vesícula difícil exige maturidade cirúrgica, capacidade de reconhecer limites e domínio das manobras de resgate. Insistir em uma dissecção perigosa é receita para desastre. Saber abandonar, retroceder ou mudar a estratégia é parte fundamental da segurança do paciente e da preservação da via biliar.

Uma resposta

  1. Avatar de rjuniorcirurgiaufpiedubr
    rjuniorcirurgiaufpiedubr | Responder

    Importante e relevante artigo sobre a NECESSÁRIA avaliação da melhor e mais segura estratégia diante desse verdadeiro desafio que é uma colecistectomia difícl.

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