1. Introdução
As anastomoses biliodigestivas — especialmente a hepáticojejunostomia em Y-de-Roux e a coledocojejunostomia — são procedimentos essenciais no tratamento de estenoses benignas, lesões biliares iatrogênicas, tumores peri-hilares e reconstruções complexas.
Apesar da ampla experiência acumulada, complicações como fuga biliar, estenose anastomótica, colangite, falha funcional e sepse ainda ocorrem.
A seguir, um conjunto de estratégias cirúrgicas baseadas em princípios anatômicos, vascularização, técnica minuciosa e manejo pós-operatório para reduzir complicações.
2. Estratégia 1 — Escolha correta do nível da anastomose
A. Anastomose em ducto saudável
- Nunca anastomosar na área inflamada, isquêmica ou descolada de forma agressiva.
- Em estenoses pós-colecistectomia, subir para hepático comum alto ou confluência, garantindo boa vascularização.
B. Respeitar o “Princípio de Hepp–Couinaud”
- Criar hepáticojejunostomia lateral (em janela) no ducto esquerdo quando há estenose alta.
- Reduz tensão e melhora o fluxo.
3. Estratégia 2 — Criar uma anastomose ampla (≥ 1,5–2 cm)
Regra de ouro: anastomose pequena = estenose futura.
- Utilizar abertura generosa do ducto, espatulando as margens.
- Em ductos pequenos (< 4 mm), dilatar suavemente a parede anterior.
- Enxergar toda a circunferência do ducto antes de suturar.
4. Estratégia 3 — Técnica de sutura precisa
A. Fios finos e material adequado
- Polipropileno 5-0 ou 6-0; monofilamento absorvível em casos selecionados.
- Evitar multifilamento que favoreça infecção.
B. Padrão de sutura
- Sutura contínua na parede posterior → rápida e homogênea.
- Sutura interrompida na anterior → segurança e ajuste fino.
C. Pontos mucosa–mucosa
- Garantir perfeita aposição da mucosa biliar à mucosa jejunal.
- Evitar inclusão de tecido fibrótico ou adventícia espessa.
5. Estratégia 4 — Garantir vascularização ideal
Nunca desvascularizar o ducto biliar.
Princípios:
- Evitar dissecação circunferencial agressiva.
- Não esqueletonizar o hepático comum.
- Manter adventícia e plexos pericoledocianos.
Vascularização pobre = risco de necrose e deiscência → fuga biliar precoce → estenose tardia.
6. Estratégia 5 — Tensão zero
A. Tensão na alça = mau prognóstico
- Fazer alça jejunal longa e móvel, Y-de-Roux verdadeira.
- Mobilização mesentérica ampla.
- Evitar que a alça seja “puxada” para cima.
B. Anastomose deve repousar no plano natural, sem tração.
7. Estratégia 6 — Preparo adequado da alça jejunal
- Alça isoperistáltica preferencial.
- Mesentério sem torções.
- Alça livre de hematomas e isquemia.
- Evitar alça muito fina (risco de estase e colangite).
8. Estratégia 7 — Magnificação e visualização ideal
- Usar lupas, microscópio ou câmeras HD.
- Iluminação frontal/auxiliar.
- Aspirador fino dedicado.
- Irrigação suave e contínua.
9. Estratégia 8 — Drenagem seletiva (não obrigatória)
O uso de drenos é controverso. Indicar quando:
- Difícil visualização intraoperatória
- Campo inflamado
- Dúvida sobre qualidade da anastomose
- Ducto muito fino
- Reconstrução após lesão térmica extensa
Dreno não previne complicações, mas alerta precocemente.
10. Estratégia 9 — Evitar estase biliar
- Alça jejunal não deve ser comprimida por mesentério angulado.
- Anastomose deve ser ampla e elevada para evitar “kinking”.
- Em reconstruções altas, preferir derivação ampla tipo Hepp–Couinaud.
11. Estratégia 10 — Controle intraoperatório
A. Colangiografia intraoperatória
Avalia permeabilidade, nível da anastomose e ductos acessórios.
B. Colangioscopia intraoperatória
Identifica:
- Estenoses ocultas,
- Ducto residual pouco visível,
- Extensão de lesões biliares,
- Cálculos residuais.
Aumenta segurança e reduz reoperação.
12. Estratégia 11 — Manejo pós-operatório rigoroso
- Controle diário de bilirrubina, FA, GGT.
- Ultrassom precoce se febre/taquicardia.
- TC se suspeita de coleção.
- Tratamento agressivo de colangite.
Colangite recorrente = alerta para estenose precoce.
13. Estratégia 12 — Realização em centros especializados
Evidência clara:
Reconstruções realizadas por cirurgiões hepatobiliares experientes têm taxas de sucesso > 90%, enquanto em centros não especializados, as falhas podem superar 30–40%.
Conclusão
A segurança e durabilidade das anastomoses biliodigestivas dependem de:
- seleção adequada do nível da anastomose;
- anastomose ampla, mucosa–mucosa;
- técnica delicada e meticulosa;
- vascularização preservada;
- ausência de tensão;
- uso racional de colangiografia/colangioscopia;
- execução por cirurgião experiente em HPB.
“Uma anastomose biliodigestiva segura é construída com técnica, paciência e respeito absoluto à biologia.”
Excelente Prof. Dr. Ózimo Gama. Todo cirurgião tem que buscar a execução técnica o mais aprimorada sempre.
Excelente Prof. Dr. Ózimo Gama. Valorosos detalhes técnicos que fazem a diferença por um bom resultado. Cirurgião deve buscar o aperfeiçoamento técnico SEMPRE!