Incidentaloma Hepático

Estratégia Diagnóstica e Manejo Cirúrgico

A crescente utilização de exames de imagem na prática médica resultou no aumento da detecção de lesões hepáticas assintomáticas, conhecidas como incidentalomas hepáticos. Estes achados radiológicos, identificados incidentalmente em até 15% dos exames de imagem, levantam desafios diagnósticos e terapêuticos significativos para os cirurgiões do aparelho digestivo. Embora a maioria dessas lesões seja benigna, cerca de 10% podem ser malignas, exigindo uma avaliação detalhada para evitar procedimentos desnecessários e potencialmente arriscados. Este post aborda as estratégias diagnósticas e o manejo cirúrgico apropriado para o incidentaloma hepático, com foco na prática diária do cirurgião digestivo.

Prof. Dr. Ozimo Gama
Incidentaloma

Introdução

O incidentaloma hepático é definido como uma lesão hepática assintomática detectada incidentalmente durante investigações radiológicas realizadas por outras razões. A maioria dessas lesões é benigna, como os hemangiomas e as hiperplasias nodulares focais (HNF), mas há casos em que o achado pode indicar uma lesão maligna, como o carcinoma hepatocelular ou metástases hepáticas. A identificação adequada e o manejo correto desses incidentalomas são essenciais para garantir que pacientes com lesões potencialmente graves sejam tratados precocemente, enquanto aqueles com lesões benignas possam evitar intervenções desnecessárias.

Diagnóstico Radiológico Diferencial

A principal ferramenta para a avaliação de incidentalomas hepáticos é a imagem, com a ultrassonografia (US), a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) sendo as modalidades mais comumente utilizadas. Cada exame possui características específicas que ajudam na classificação e distinção das lesões hepáticas.

  1. Ultrassonografia (US): Frequentemente o primeiro exame realizado, a ultrassonografia pode distinguir lesões císticas de sólidas. Lesões císticas simples geralmente não requerem tratamento, enquanto lesões císticas complexas podem demandar avaliação adicional com TC ou RM. Hemangiomas e hiperplasia nodular focal também podem ser identificados com precisão por ultrassom.
  2. Tomografia Computadorizada (TC): A TC com contraste é frequentemente utilizada para caracterizar lesões indeterminadas vistas em ultrassonografia. Lesões benignas, como hemangiomas, apresentam padrões típicos de realce nodular periférico com enchimento centrípeto nas fases tardias do contraste. Já as metástases hepáticas, comuns em pacientes com câncer gastrointestinal ou de mama, aparecem como lesões hipovasculares com margens mal definidas e heterogeneidade interna.
  3. Ressonância Magnética (RM): A RM, especialmente quando realizada com contraste específico para hepatócitos, oferece alta acurácia para a caracterização de lesões hepáticas. Ela é superior à TC na diferenciação entre lesões benignas, como hiperplasia nodular focal, e lesões malignas. Incidentalomas que mostram padrões típicos de hiperintensidade em T2, como os hemangiomas, podem ser facilmente identificados com a RM.

A relevância de cada modalidade de imagem varia de acordo com a característica da lesão e o risco do paciente. Lesões menores que 1 cm, também conhecidas como too small to characterize (TSTC), representam um desafio, pois não é possível determinar com segurança sua natureza com base em imagens iniciais. Nestes casos, o seguimento por imagem a curto prazo é recomendado.

Indicação de Manejo Cirúrgico

A decisão de realizar intervenção cirúrgica em um paciente com incidentaloma hepático deve ser cuidadosamente avaliada. O manejo cirúrgico é geralmente indicado em três situações principais:

  1. Lesões malignas ou com suspeita de malignidade: Incidentalomas em pacientes com histórico de câncer ou em casos onde as características radiológicas sugerem malignidade (margens irregulares, crescimento rápido ou captação anômala de contraste) devem ser tratados com ressecção cirúrgica. Carcinoma hepatocelular, metástases hepáticas e colangiocarcinoma estão entre as principais malignidades a serem excluídas.
  2. Lesões benignas com potencial de complicação: Hemangiomas de grande volume ou adenomas hepáticos, por exemplo, podem causar complicações, como sangramento ou transformação maligna, especialmente em lesões maiores que 5 cm. Nesses casos, a ressecção pode ser indicada para prevenir eventos adversos.
  3. Lesões sintomáticas: Embora a maioria dos incidentalomas seja assintomática, algumas lesões benignas, como angiomiolipomas grandes, podem causar desconforto abdominal ou hepatomegalia, justificando uma intervenção cirúrgica.

Além disso, é importante considerar o risco cirúrgico do paciente. Pacientes com cirrose avançada ou outras comorbidades significativas podem não ser candidatos adequados para ressecção hepática, sendo necessário um manejo mais conservador.

Pontos-Chave para a Prática Cirúrgica

  • Risco de malignidade: Cerca de 10% dos incidentalomas hepáticos são malignos. A detecção precoce e a caracterização correta da lesão são fundamentais para otimizar o tratamento.
  • Segurança do paciente: O excesso de investigação pode resultar em procedimentos desnecessários, aumentando o custo e o risco para o paciente. A avaliação criteriosa das imagens e a classificação do paciente em grupos de risco podem auxiliar na tomada de decisão clínica.
  • Uso adequado de imagem: A ressonância magnética com contraste específico para hepatócitos é o exame de escolha em lesões indeterminadas e proporciona alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de lesões benignas e malignas.
  • Indicação cirúrgica: A cirurgia está indicada em lesões malignas, lesões benignas com risco de complicação e incidentalomas sintomáticos. Nos casos de lesões muito pequenas e indeterminadas, o seguimento clínico com exames seriados é uma alternativa válida.

Conclusão

O incidentaloma hepático representa um desafio comum na prática cirúrgica, especialmente com o aumento da utilização de exames de imagem. O manejo adequado dessas lesões requer uma abordagem balanceada entre evitar procedimentos desnecessários e tratar com eficácia os casos de malignidade ou complicação potencial. O cirurgião digestivo deve basear suas decisões em uma análise detalhada das características radiológicas, história clínica do paciente e potencial de complicações. Em última análise, o manejo desses incidentalomas deve ser individualizado para otimizar os resultados para o paciente.

Como sabiamente afirmou Henri Bismuth, um dos pioneiros da cirurgia hepática: “A arte de manejar o fígado vai além da técnica operatória; ela envolve a compreensão detalhada da fisiopatologia hepática e uma estratégia bem calculada de tratamento.”

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