Prevenção da Hérnia Incisional

Um Guia Completo para Estudantes de Medicina e Residentes em Cirurgia

A hérnia incisional é uma complicação pós-operatória comum, especialmente após cirurgias abdominais, com taxas que variam de 1 a 20%. Além de causar dor e desconforto, essa condição pode gerar um grande impacto econômico e clínico para pacientes e o sistema de saúde. No Brasil, o aumento do índice de massa corporal (IMC) e a alta prevalência de cirurgias abdominais tornam a prevenção da hérnia incisional um tema de extrema relevância na prática cirúrgica. Este artigo abordará as principais técnicas de prevenção da hérnia incisional, com foco na escolha do tipo de incisão, técnica de fechamento e o uso de tela profilática, temas de suma importância para estudantes de medicina, residentes de cirurgia geral e pós-graduandos em cirurgia do aparelho digestivo.

Introdução

A hérnia incisional se desenvolve em locais de incisões cirúrgicas anteriores, onde a parede abdominal se enfraquece, permitindo que o conteúdo intra-abdominal protrua. Estima-se que 10% a 15% dos pacientes submetidos a laparotomias desenvolvam essa complicação, sendo que cerca de 400 mil cirurgias de reparo de hérnia incisional são realizadas anualmente na Europa e aproximadamente 348 mil nos Estados Unidos. No Brasil, os números são igualmente alarmantes, considerando a alta prevalência de cirurgias abdominais associadas a fatores de risco como obesidade e diabetes.

Fatores de Risco para a Hérnia Incisional

A formação da hérnia incisional está associada a uma série de fatores, tanto relacionados ao paciente quanto ao procedimento cirúrgico. Entre os fatores de risco mais comuns estão:

  • Obesidade (IMC > 25 kg/m²): Pacientes obesos têm maior propensão ao desenvolvimento de hérnias, com taxas que variam de 25% a 50%. No Brasil, a obesidade é um fator crescente que precisa ser cuidadosamente avaliado no pré-operatório.
  • Infecção no local cirúrgico: A infecção compromete a cicatrização adequada da incisão, aumentando o risco de herniação.
  • Doenças crônicas como DPOC, diabetes e desnutrição: Esses pacientes apresentam maior risco de complicações pós-operatórias.
  • Tabagismo e quimioterapia: Fatores que afetam a cicatrização e a integridade dos tecidos abdominais.

Técnicas de Fechamento da Parede Abdominal

A técnica utilizada para o fechamento da parede abdominal após a laparotomia é um dos fatores mais importantes na prevenção da hérnia incisional. Estudos recentes, revisados pela Sociedade Europeia de Hérnia, recomendam o uso de sutura contínua com monofilamento de absorção lenta e a técnica de pequenos pontos (<1 cm de distância), com uma relação comprimento de sutura/comprimento da ferida superior a 4:1. Esse protocolo baseia-se em evidências que demonstram uma redução de três vezes no risco de formação de hérnia quando a relação sutura/ferida é respeitada. Além disso, a técnica de pequenos pontos, com suturas próximas da borda da fáscia, diminui significativamente a formação de hérnias, conforme demonstrado em ensaios clínicos multicêntricos europeus.

Uso de Tela Profilática

Mesmo com técnicas de fechamento adequadas, alguns pacientes de alto risco podem se beneficiar do uso de tela profilática. Essa técnica é especialmente recomendada para pacientes submetidos a cirurgias com alto risco de hérnia incisional, como reparos de aneurismas de aorta abdominal (AAA) e cirurgias bariátricas laparotômicas. Em cirurgias de AAA, o uso de telas profiláticas pode reduzir a incidência de hérnias incisionais de 32% para menos de 10%, de acordo com estudos recentes. Na prática brasileira, ainda há um certo receio quanto ao uso de telas, especialmente em cirurgias contaminadas, como procedimentos colorretais. Contudo, estudos mostram que a aplicação de telas em pacientes de alto risco pode ser feita com segurança e eficácia, sem aumento significativo de complicações como infecções ou rejeição do material.

Aplicação na Cirurgia Digestiva

No contexto da cirurgia do aparelho digestivo, que inclui procedimentos complexos como ressecções colorretais e bariátricas, a prevenção da hérnia incisional deve ser uma preocupação constante. Pacientes submetidos a cirurgias digestivas frequentemente apresentam fatores de risco, como obesidade, diabetes e infecções pós-operatórias, aumentando significativamente as chances de complicações. Nessas cirurgias, a escolha correta do tipo de incisão e a técnica de fechamento são essenciais para minimizar o risco de hérnia. O uso de incisão não mediana, quando possível, e a técnica de pequenos pontos com a relação de sutura/ferida adequada, são práticas recomendadas. Além disso, em pacientes com maior risco, o uso de telas profiláticas deve ser seriamente considerado, especialmente em cirurgias abertas, como a bariátrica e o reparo de AAA.

Pontos-chave

  • Conhecimento dos fatores de risco: Identificar pacientes de alto risco, como os com IMC elevado, histórico de infecção ou doenças crônicas, é fundamental para a escolha da melhor técnica cirúrgica.
  • Escolha adequada da técnica de fechamento: Utilizar a técnica de pequenos pontos (<1 cm) com uma relação de sutura/comprimento da ferida >4:1 pode reduzir significativamente as taxas de hérnia incisional.
  • Uso de telas profiláticas: Em pacientes de alto risco, como os submetidos a reparos de aneurismas ou cirurgias bariátricas, a tela profilática pode ser uma medida preventiva eficaz.
  • Educação continuada: A formação de residentes e pós-graduandos em relação às técnicas atualizadas de fechamento abdominal é crucial para melhorar os resultados cirúrgicos e reduzir a incidência de hérnias incisionais.

Conclusão

A prevenção da hérnia incisional é um tema essencial para cirurgiões, especialmente aqueles que atuam no tratamento de doenças do aparelho digestivo. A adoção de técnicas de fechamento baseadas em evidências, como o uso de pequenos pontos e a proporção correta de sutura, pode reduzir significativamente as taxas de recidiva. Além disso, o uso de telas profiláticas em pacientes de alto risco oferece uma medida adicional de proteção, com resultados promissores. Embora as técnicas de fechamento de incisões sejam frequentemente subestimadas, sua importância na prevenção de complicações pós-operatórias, como as hérnias incisionais, não deve ser negligenciada. Investir em educação continuada e incentivar a prática baseada em evidências são os primeiros passos para garantir melhores resultados para os pacientes e reduzir a carga econômica e clínica associada às hérnias incisionais.

“O cirurgião deve não só curar, mas também prevenir.” — Ambroise Paré

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