Prevenção de Lesão da Via Biliar durante a Colecistectomia

A colecistectomia laparoscópica tornou-se o padrão ouro para o tratamento da colelitíase sintomática e outras doenças da vesícula biliar. No entanto, a incidência de lesões da via biliar (LVB) aumentou de 0,2–0,3% na era da colecistectomia aberta convencional para 0,5–0,8% na era da colecistectomia laparoscópica. Essas lesões são frequentemente associadas a significativa morbidade e mortalidade pós-operatória, reduzida qualidade de vida a longo prazo e representam um desafio cirúrgico considerável. A prevenção dessas lesões deve ser o principal objetivo, exigindo adesão a princípios rigorosos de dissecação meticulosa e segura das estruturas identificadas.

Causas e Fatores de Risco para Lesões da Via Biliar

As lesões da via biliar podem ocorrer devido à dissecação incorreta ou incompleta do triângulo de Calot, especialmente em casos de inflamação significativa no local cirúrgico ou anatomia aberrante do ducto biliar. Outros fatores que aumentam a incidência de LVB incluem:

  1. Inexperiência do Cirurgião: A “curva de aprendizado” inicial contribuiu para a alta taxa de lesões biliares nos primeiros relatos.
  2. Inflamação e Cicatrizes: Inflamação aguda ou crônica e cicatrizes densas podem obscurecer a anatomia normal e aumentar a dificuldade do procedimento.
  3. Obesidade: A presença de tecido adiposo abundante ao redor do ligamento hepatoduodenal aumenta a dificuldade cirúrgica e promove lesões biliares.
  4. Anatomia Aberrante: Variações anatômicas, como um ducto hepático direito aberrante, podem ser erroneamente identificadas como ducto cístico e ligadas ou cortadas.
  5. Uso Excessivo de Energia: O uso excessivo de dispositivos de energia, como eletrocautério, pode levar a lesões térmicas e isquemia do ducto biliar.
  6. Fatores Adversos: Idade avançada, gênero masculino, obesidade mórbida, longa duração dos sintomas antes da cirurgia, cirurgias abdominais superiores prévias e inflamação aguda contribuem para o aumento do risco.

Princípios Técnicos para Prevenção de Lesões da Via Biliar

Para prevenir lesões durante a colecistectomia laparoscópica, os cirurgiões devem seguir princípios técnicos essenciais:

  1. Visão Crítica de Segurança (CVS): A técnica CVS, descrita por Strasberg et al., é fundamental para a identificação segura das estruturas vitais, como o ducto cístico. Dois espaços devem ser criados durante a dissecação do triângulo de Calot para identificar circunferencialmente o ducto cístico e sua transição para a vesícula biliar.
  2. Dissecação Meticulosa do Triângulo de Calot: A limpeza do triângulo hepatocístico de gordura e tecidos fibrosos, e a separação do terço inferior da vesícula biliar do fígado para expor a placa cística são passos cruciais.
  3. Uso Judicioso de Dispositivos de Energia: Os dispositivos de energia devem ser usados com cautela no triângulo de Calot, com configurações de baixa potência e coagulação de pequenos pedaços de tecido por vez.
  4. Reconhecimento de Dissecção Insegura: O cirurgião deve ser capaz de reconhecer quando a dissecção se torna insegura, com alto potencial para LVB, e estar preparado para buscar alternativas técnicas, pedir uma segunda opinião ou converter para uma colecistectomia aberta.
  5. Imagens Intraoperatórias: Técnicas como colangiografia intraoperatória, ultrassonografia laparoscópica e colangiografia por fluorescência de infravermelho próximo podem ser usadas para avaliar a anatomia biliar.

Procedimentos de Resgate e Conversão

Em casos onde a CVS não pode ser alcançada e as estratégias de resgate não podem ser implementadas, não hesite em converter para uma colecistectomia aberta. Procedimentos de resgate, como colecistectomia subtotal ou colecistectomia iniciada pelo fundo, podem ser necessários em casos de inflamação severa e/ou incapacidade de realizar a CVS.

Avaliação Pré-operatória e Planejamento

A avaliação pré-operatória de preditores de colecistectomia difícil é crucial. Fatores como gênero masculino, obesidade, idade avançada, histórico de ataques de cólica biliar, intervalo prolongado entre o início e a apresentação dos sintomas, cirurgias abdominais superiores prévias e cirrose devem ser identificados. A seleção cuidadosa de pacientes e a preparação para a possibilidade de conversão para cirurgia aberta são essenciais para a segurança do procedimento.

Conclusão

A prevenção de lesões da via biliar durante a colecistectomia laparoscópica exige uma abordagem meticulosa, conhecimento anatômico detalhado e a aplicação de técnicas cirúrgicas refinadas. A adesão à técnica CVS, uso cauteloso de dispositivos de energia e a prontidão para procedimentos de resgate ou conversão são fundamentais para minimizar riscos e melhorar os resultados dos pacientes. A experiência do cirurgião e a colaboração da equipe cirúrgica são fatores críticos para a execução segura desta operação comum, mas potencialmente desafiadora.

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