Câncer Incidental da Vesícula Biliar após Colecistectomia Laparoscópica: Diagnóstico e Conduta Cirúrgica

Introdução

O câncer de vesícula biliar é a neoplasia maligna mais comum do trato biliar e o quinto tumor mais frequente do trato gastrointestinal. Apesar disso, apresenta baixa incidência global — cerca de 3 casos por 100.000 habitantes/ano nos EUA — e geralmente é diagnosticado em estágios avançados, com taxa de ressecabilidade de apenas 25% e sobrevida média de 3 a 11 meses. O cenário muda quando a doença é detectada precocemente, especialmente nos casos de câncer incidental da vesícula biliar (IGBC), diagnosticado após colecistectomia laparoscópica (LC) realizada por outra indicação. O IGBC ocorre em 0,3–2% das LC e representa cerca de dois terços dos casos potencialmente curáveis.


Epidemiologia e Relevância Clínica

  • Incidência: 0,3–2% das colecistectomias laparoscópicas.
  • Impacto prognóstico: sobrevida de 5 anos pode atingir 92–100% nos estágios iniciais (T1a).
  • Risco de disseminação: perfuração vesicular e derrame biliar intraoperatório elevam o risco de recidiva peritoneal e em portais (até 40%).

Diagnóstico Pós-Operatório

Quando o câncer é detectado no exame histopatológico após a colecistectomia, o primeiro passo é:

  1. Revisar o laudo histológico — confirmando profundidade de invasão (T) e status da margem do ducto cístico.
  2. Estadiamento por imagem — geralmente com tomografia computadorizada (TC) de tórax, abdome e pelve, podendo ser complementada por ressonância magnética (RM/MRCP).
  3. Avaliar presença de doença irressecável — até 20% dos pacientes candidatos à reoperação apresentam doença avançada na reexploração.

Conduta por Estadiamento T

  • Tis / T1a
    • LC isolada é curativa se não houve perfuração vesicular nem extravasamento biliar.
    • Metástases linfonodais ocorrem em apenas 2% dos casos.
  • T1b / T2
    • Indicam re-resecção radical, incluindo:
      • Reseção não anatômica de segmentos hepáticos 4b e 5 (margem ≥ 2–3 cm).
      • Linfadenectomia do ligamento hepatoduodenal.
      • Avaliação da margem do ducto cístico; se positiva, ampliar ressecção.
    • Sobrevida de 5 anos: 60–100% (T1b) e 54–100% (T2).
  • T3 / T4
    • Ressecção curativa apenas se R0 possível.
    • Sobrevida de 5 anos em doença nodal negativa: até 77%.
    • Em linfonodos positivos além do hepatoduodenal: prognóstico extremamente reservado (<1%).

Suspeita Intraoperatória

Fatores que devem acender o alerta:

  • Vesícula endurecida e espessada.
  • Infiltração hepática.
  • Paciente com mais de 60 anos, especialmente com quadro de empiêma vesicular.
  • Achados de imagem pré-operatória: espessamento focal ou difuso da parede, linfonodomegalias, vesícula pouco distendida.

Conduta recomendada:

  • Se possível, interromper a cirurgia e encaminhar para estadiamento completo antes de definir tratamento definitivo.
  • Evitar biópsia intraoperatória devido a risco de erro amostral e disseminação.
  • Em casos de alta suspeita e condições clínicas favoráveis, realizar colecistectomia radical imediata.

Técnica da Re-Ressecção Radical

  • Abordagem convencionalmente aberta (há relatos laparoscópicos e robóticos).
  • Ressecção hepática (segmentos 4b e 5).
  • Linfadenectomia hepatoduodenal.
  • Ressecção do ducto cístico ± hepático comum se margem comprometida.
  • Não há benefício comprovado na ressecção sistemática dos portais de entrada da laparoscopia.

Pontos-Chave para o Cirurgião Digestivo

  • Sempre encaminhar espécimes de colecistectomia para exame histopatológico.
  • Documentar integridade da vesícula e ausência de extravasamento biliar.
  • Em IGBC T1b ou superior, a re-resecção precoce oferece ganho substancial de sobrevida.
  • Envolver equipe de cirurgia hepatobiliar e oncologia desde o início.
  • RO (ressecção com margem livre) é o fator mais importante para prognóstico.

Conclusão Aplicada

O IGBC representa uma oportunidade única de diagnóstico precoce de um tumor tipicamente letal. A conduta correta, baseada no estadiamento, pode transformar um achado acidental em um caso curável. A chave está em:

  • Reconhecimento imediato do risco.
  • Estadiamento preciso.
  • Tratamento radical oportuno.

“O cirurgião deve ter a coragem de parar quando é cedo demais e a ousadia de agir quando ainda é tempo.” — Halsted

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