Otimizando a Recuperação Pós-Operatória
A cirurgia pancreática, em especial a pancreatoduodenectomia (PD), é um procedimento de alta complexidade e associado a complicações significativas. Para melhorar os desfechos pós-operatórios e reduzir o tempo de internação, foi implementado o protocolo ERAS (Enhanced Recovery After Surgery), que visa otimizar a recuperação dos pacientes cirúrgicos. Este artigo explora como o ERAS impacta a morbimortalidade, seu custo-efetividade e as principais medidas assistenciais envolvidas, oferecendo pontos-chave para a prática cirúrgica no aparelho digestivo.
O que é o Protocolo ERAS?
O protocolo ERAS é uma abordagem multimodal que visa reduzir o estresse cirúrgico, acelerar a recuperação e diminuir as complicações no período pós-operatório. Originalmente desenvolvido para cirurgias colorretais, o ERAS foi adaptado para outras especialidades, incluindo a cirurgia pancreática. O primeiro conjunto de diretrizes para a pancreatoduodenectomia foi publicado em 2012, sendo atualizado em 2019 com 27 recomendações baseadas em evidências científicas. Entre os principais objetivos do ERAS estão a redução do tempo de internação hospitalar, a menor incidência de complicações como a fístula pancreática e o retardo no esvaziamento gástrico (DGE, na sigla em inglês).
Na cirurgia pancreática, a mortalidade tem sido reduzida para menos de 5% em centros de grande volume no Brasil, entretanto, a morbidade ainda é alta, variando de 30% a 60%. O protocolo ERAS surge como uma alternativa eficiente para padronizar o manejo perioperatório, reduzir complicações e encurtar a permanência hospitalar.
Impacto do ERAS na Morbimortalidade
Um dos principais benefícios do protocolo ERAS é a redução das complicações pós-operatórias, incluindo infecções de sítio cirúrgico, DGE e fístula pancreática. Estudos internacionais e revisões sistemáticas mostraram que pacientes submetidos ao ERAS apresentaram menor tempo de internação e menor incidência de complicações sem aumento nas taxas de readmissão ou mortalidade.
No Brasil, onde a pancreatoduodenectomia também é uma cirurgia de alto risco, a implementação do ERAS traz ganhos substanciais. Em centros que adotaram o protocolo, houve uma redução expressiva do tempo médio de internação, que pode superar 14 dias nos cuidados convencionais. Além disso, as taxas de complicações severas são minimizadas, o que impacta diretamente a recuperação global do paciente e a sua qualidade de vida pós-operatória.
Custo-Efetividade do ERAS
A implementação do protocolo ERAS tem demonstrado ser financeiramente vantajosa. A redução das complicações e do tempo de hospitalização leva a uma economia significativa de recursos, especialmente em procedimentos de grande porte, como as cirurgias pancreáticas. Estima-se que, em hospitais que seguem o ERAS, os custos totais com o tratamento de pacientes submetidos à pancreatoduodenectomia sejam reduzidos em até 20%, principalmente devido à diminuição do tempo de internação e ao uso racional de exames laboratoriais e diagnósticos.
Um estudo norte-americano relatou que a economia total foi de aproximadamente USD 5.300 por paciente após a adoção do ERAS, enquanto no Brasil, uma análise preliminar mostrou uma economia que pode atingir R$ 15.000 por paciente em algumas instituições de referência. Esses números refletem a importância da padronização dos cuidados e a utilização eficiente de recursos hospitalares.
Principais Medidas Assistenciais do ERAS
O protocolo ERAS engloba diversas intervenções que visam otimizar o cuidado perioperatório. Entre as principais medidas adotadas no contexto da cirurgia pancreática, destacam-se:
- Pré-Operatório:
- Pré-habilitação: Início de um programa de reabilitação com exercícios físicos e suporte nutricional de 3 a 6 semanas antes da cirurgia, especialmente em pacientes com perda de peso superior a 15% ou IMC abaixo de 18,5.
- Jejum: Limitação do jejum pré-operatório para 6 horas para sólidos e 2 horas para líquidos, além de carga de carboidratos até 2 horas antes da cirurgia.
- Drenagem biliar: Indicada apenas em casos específicos, como níveis de bilirrubina acima de 250 μmol/L ou colangite.
- Pós-Operatório:
- Remoção precoce de drenos: Drenos são removidos após 72 horas em pacientes de baixo risco.
- Alimentação precoce: Início de alimentação oral assim que o paciente tolerar, com a utilização de chicletes e medicamentos como alvimopan para acelerar a recuperação intestinal.
- Mobilização precoce: Incentivo à deambulação a partir do primeiro dia pós-operatório.
Principais Recomendações do Protocolo ERAS sobre Técnica Operatória
- Minimização do Trauma Cirúrgico:
- O protocolo ERAS recomenda que as técnicas operatórias minimizem o trauma tecidual, uma prática que inclui o uso de abordagens menos invasivas quando viável. Embora o PD laparoscópico ou robótico tenha sido considerado, o ERAS alerta que esses métodos devem ser realizados apenas em centros de alto volume e com experiência, pois ainda há preocupações sobre sua segurança em larga escala.
- A PD robótica não é recomendada pelo ERAS devido à falta de evidências robustas que garantam segurança e eficácia comparável à cirurgia aberta.
- Drenagem Profilática:
- A drenagem abdominal profilática continua a ser um ponto controverso no manejo de cirurgias pancreáticas. O ERAS sugere que a decisão sobre o uso de drenos profiláticos deve ser individualizada. Para pacientes considerados de baixo risco (com níveis de amilase abaixo de 5000 U/L no primeiro dia pós-operatório), a drenagem pode ser removida precocemente, geralmente em 72 horas, o que pode reduzir o risco de infecções e acelerar a recuperação.
- Prevenção de Hipotermia:
- O ERAS recomenda a manutenção da normotermia intraoperatória através de técnicas como o uso de cobertores aquecidos e o controle da temperatura de fluidos intravenosos. Isso é crucial para evitar complicações relacionadas à hipotermia, como o aumento do risco de infecções e atraso na cicatrização.
- Controle de Fluidos:
- O controle rigoroso de fluidos durante a operação é uma diretriz fundamental no protocolo ERAS. A sobrecarga de fluidos pode levar a edemas nos tecidos e complicações, como o retardo no esvaziamento gástrico. Assim, o uso de um algoritmo de fluidoterapia dirigida por metas é recomendado para evitar o excesso de fluidos.
- Uso de Analgesia Regional:
- Para o controle da dor, o protocolo ERAS favorece o uso de analgesia epidural torácica em cirurgias abertas, como a pancreatoduodenectomia. Essa abordagem reduz a necessidade de opioides, que podem estar associados a efeitos colaterais como íleo paralítico. Caso a analgesia epidural seja contraindicada, são sugeridas alternativas como o uso de cateteres de ferida preperitoneais.
- Prevenção de Fístulas Pancreáticas:
- Embora não seja uma recomendação direta sobre a técnica operatória, o protocolo ERAS menciona que o uso de análogos de somatostatina (como octreotida) não é recomendado de forma sistemática para prevenir fístulas pancreáticas, devido à falta de evidências conclusivas. A gestão de fístulas pancreáticas, portanto, deve ser cuidadosa e individualizada.
Considerações sobre Cirurgia Minimamente Invasiva:
O ERAS reconhece o potencial da cirurgia minimamente invasiva (como laparoscopia e cirurgia robótica) para reduzir o trauma cirúrgico e acelerar a recuperação. No entanto, essas técnicas exigem habilidades especializadas e devem ser realizadas apenas em centros com alto volume e vasta experiência nesses procedimentos. A segurança e eficácia dessas abordagens ainda estão sendo avaliadas em estudos, e o ERAS não as recomenda como padrão para todos os pacientes.
Pontos-Chave e Conclusões para a Prática do Cirurgião Digestivo
A implementação do ERAS na cirurgia pancreática oferece uma abordagem sólida e baseada em evidências para reduzir a morbimortalidade e melhorar os resultados cirúrgicos. O sucesso do protocolo depende do comprometimento de toda a equipe multidisciplinar e do acompanhamento rigoroso das diretrizes estabelecidas. Alguns pontos-chave que devem ser ressaltados incluem:
- Aderência às diretrizes: O nível de adesão ao protocolo está diretamente relacionado à redução de complicações. Estudos mostraram que pacientes com uma adesão superior a 70% ao protocolo ERAS apresentam menos complicações e menor tempo de internação.
- Educação contínua da equipe: Reuniões regulares para discutir a implementação e as barreiras encontradas são essenciais para o sucesso a longo prazo.
- Foco no paciente: A educação do paciente quanto às expectativas do tratamento e a importância da adesão ao plano cirúrgico também desempenha um papel fundamental na implementação bem-sucedida do ERAS.
Para o cirurgião digestivo, o ERAS representa uma mudança de paradigma, não apenas na forma de realizar cirurgias de alta complexidade, mas também na maneira de lidar com o cuidado pós-operatório. A adesão ao protocolo requer coordenação e disciplina, mas os resultados são claros: pacientes com recuperação mais rápida, menos complicações e melhor qualidade de vida após a cirurgia.
Considerações Finais
O protocolo ERAS veio para transformar a forma como abordamos a recuperação cirúrgica, especialmente em procedimentos complexos como a pancreatoduodenectomia. Ele não só melhora os desfechos clínicos, mas também otimiza a utilização de recursos hospitalares, beneficiando tanto os pacientes quanto o sistema de saúde. Para a prática do cirurgião do aparelho digestivo, o ERAS é uma ferramenta indispensável para garantir um tratamento mais seguro, eficaz e econômico.
Como disse Allen Oldfather Whipple, renomado cirurgião norte-americano: “O conhecimento sobre a operação não é o suficiente, é necessário também uma compreensão profunda do que ocorre depois dela para alcançar a cura.”
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