Momento Ideal da Colecistectomia e Manejo da Necrose Pancreática Infectada
A pancreatite aguda biliar é uma condição inflamatória potencialmente grave, resultante da obstrução temporária ou permanente do ducto biliar por cálculos. A sua prevalência é significativa, sendo uma das causas mais comuns de pancreatite aguda em países como o Brasil, com uma incidência estimada de até 40% dos casos de pancreatite. O manejo cirúrgico desta doença, especialmente em casos complicados como a necrose pancreática infectada, é um desafio que requer decisões cuidadosas e multidisciplinares. Este artigo tem como objetivo educar estudantes de medicina, residentes em cirurgia geral e pós-graduandos em cirurgia do aparelho digestivo sobre os princípios fundamentais do tratamento cirúrgico da pancreatite aguda biliar, com ênfase na colecistectomia e no manejo da necrose pancreática infectada.
Momento da Colecistectomia
A colecistectomia é o tratamento definitivo para a pancreatite biliar, pois remove a causa subjacente: os cálculos biliares. O momento ideal para realizar a colecistectomia em pacientes com pancreatite biliar aguda é uma decisão crucial, com implicações significativas para o prognóstico e o risco de complicações.
Nos casos de pancreatite biliar leve, a literatura recomenda fortemente a realização da colecistectomia durante a mesma internação hospitalar. Estudos demonstram que esta abordagem reduz significativamente o risco de novos episódios de pancreatite ou outras complicações relacionadas aos cálculos biliares. Um ensaio clínico multicêntrico relatou que 17% dos pacientes que tiveram a colecistectomia adiada experimentaram complicações relacionadas à presença de cálculos, em comparação com apenas 5% dos pacientes que realizaram a cirurgia durante a mesma internação. Além disso, não houve aumento nas taxas de complicações cirúrgicas naqueles submetidos à colecistectomia precoce.
Em pacientes com pancreatite moderadamente grave ou grave, o manejo é mais complexo. Diretrizes internacionais e especialistas recomendam que a colecistectomia seja adiada até que o paciente tenha se recuperado completamente e eventuais coleções líquidas pancreáticas ou necrose tenham se resolvido. No Brasil, os dados mostram que aproximadamente 10% a 20% dos pacientes com pancreatite aguda evoluem para formas mais graves com necrose, exigindo uma abordagem mais conservadora e cuidadosa. Um estudo retrospectivo indicou que a realização da colecistectomia antes de 8 a 10 semanas pode reduzir o risco de recorrência de eventos biliares sem aumentar o risco de complicações.
Indicações do Manejo Cirúrgico da Necrose Pancreática Infectada
A necrose pancreática, que ocorre em cerca de 10% a 20% dos casos de pancreatite aguda, é uma complicação grave que pode levar à infecção em aproximadamente um terço dos pacientes. A presença de necrose infectada está associada a altas taxas de morbidade e mortalidade, com estudos demonstrando uma mortalidade de 36% a 49,5% em pacientes com falência orgânica primária e necrose sobreposta infectada.
O manejo da necrose pancreática infectada tem evoluído significativamente nas últimas décadas. A abordagem minimamente invasiva em etapas é atualmente considerada a via preferida de tratamento, em oposição à cirurgia aberta tradicional, devido a menores taxas de complicações e mortalidade. Esta abordagem começa com a drenagem percutânea direcionada, seguida por procedimentos como drenagem transmural endoscópica e necrosectomia endoscópica direta, se necessário. Nos casos mais complexos, onde essas medidas não são eficazes, pode-se recorrer a desbridamento cirúrgico minimamente invasivo, que inclui técnicas como a necrosectomia retroperitoneal videoassistida.
A escolha da técnica e o momento da intervenção dependem da extensão da necrose, da presença de infecção e das condições clínicas do paciente. Em geral, a intervenção invasiva deve ser adiada por pelo menos 4 semanas após o início da pancreatite para permitir que a necrose se delimite (necrose encapsulada). Em pacientes gravemente doentes, com infecção progressiva ou falência de múltiplos órgãos, intervenções precoces podem ser consideradas, embora estudos recentes sugiram que o adiamento da drenagem pode reduzir a necessidade de múltiplas intervenções.
Pontos-Chave e Conclusões Aplicadas à Prática do Cirurgião Digestivo
- Colecistectomia Precoce em Pancreatite Biliar Leve: A colecistectomia na mesma internação reduz a recorrência de eventos biliares e não aumenta as complicações cirúrgicas. Este é o manejo recomendado para pacientes com pancreatite biliar leve.
- Adiar a Colecistectomia em Casos Graves: Em pacientes com pancreatite moderadamente grave ou grave, o adiamento da colecistectomia até a resolução de coleções ou necrose é indicado, geralmente em um intervalo de 8 a 10 semanas.
- Manejo Minimamente Invasivo da Necrose Pancreática Infectada: A abordagem em etapas minimamente invasiva deve ser priorizada, começando com drenagem percutânea. A intervenção cirúrgica deve ser reservada para casos refratários ou com deterioração clínica, com preferências por técnicas menos invasivas.
- Intervenção Invasiva Oportuna: O momento da intervenção deve ser cuidadosamente avaliado, com um atraso de pelo menos 4 semanas sendo o ideal para permitir a formação de necrose encapsulada. No entanto, intervenções precoces podem ser necessárias em casos críticos.
O manejo da pancreatite aguda biliar exige uma equipe multidisciplinar experiente e a consideração cuidadosa das condições clínicas do paciente. Cirurgiões do aparelho digestivo devem estar cientes das evidências mais recentes para otimizar os resultados cirúrgicos e minimizar complicações. Como disse William Osler, um dos grandes médicos da história: “A prática da medicina é uma arte, baseada na ciência.” A tomada de decisões cirúrgicas no manejo da pancreatite biliar reflete esta delicada interação entre arte e ciência, onde a experiência clínica e o julgamento são essenciais para alcançar os melhores resultados.
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