Princípios Técnicos e Considerações Cirúrgicas no Tratamento do Câncer de Pâncreas

Introdução

O câncer de pâncreas representa um desafio significativo na cirurgia oncológica, com taxas de sobrevida em 5 anos de apenas 11% no Brasil, segundo dados do INCA. O tratamento cirúrgico de tumores pancreáticos borderline ressecáveis, em particular, exige habilidade técnica refinada e planejamento meticuloso. Este artigo abordará os princípios cirúrgicos e considerações técnicas essenciais para a realização bem-sucedida de pancreatectomias com ressecção e reconstrução venosa em casos de adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) borderline ressecável.

  1. O Espécime Deve Estar Cercado por Ar

Um princípio fundamental na cirurgia de PDAC borderline ressecável é garantir que o espécime esteja completamente mobilizado e “cercado por ar” antes de qualquer tentativa de ressecção venosa. Isso significa que o tecido pancreático envolvido deve estar livre de todas as estruturas adjacentes, exceto pelo envolvimento venoso. Para alcançar isso, técnicas de abordagem da artéria mesentérica superior (SMA) são cruciais. Duas abordagens comumente utilizadas são:

a) Abordagem retroperitoneal lateral: Envolve uma manobra de Kocher estendida para acessar a raiz da SMA.

b) Abordagem anterior supracólica: Acessa a porção pré-duodenal da SMA através de uma abordagem anterior.

A combinação dessas técnicas permite uma dissecção completa ao redor da SMA, isolando o espécime e facilitando uma ressecção segura.

  1. Isolamento Venoso Portal/Mesentérico Completo

O controle vascular é primordial para uma ressecção segura. O cirurgião deve obter controle de três áreas anatômicas principais:

a) Veia mesentérica superior (SMV) infrapancreática e seus ramos
b) Drenagem venosa do lado esquerdo (veia esplênica, veia coronária e veia mesentérica inferior)
c) Veia porta suprapancreática

O controle da SMV infrapancreática pode ser desafiador, especialmente quando o primeiro ramo jejunal está envolvido pelo tumor. Técnicas cuidadosas de dissecção e exposição são necessárias para evitar lesões vasculares significativas.

  1. Manutenção da Drenagem Venosa Mesentérica

A preservação do fluxo sanguíneo mesentérico é crucial para evitar complicações pós-operatórias graves. O cirurgião deve considerar a equação de Poiseuille ao planejar a reconstrução venosa, lembrando que pequenas reduções no raio do vaso podem aumentar significativamente a resistência ao fluxo. As opções de reconstrução incluem:

a) Venorrafia primária
b) Venorrafia com patch
c) Anastomose veno-venosa com ou sem enxerto de interposição

A escolha da técnica depende da extensão do envolvimento venoso e da anatomia individual do paciente.

  1. Manutenção da Drenagem Venosa do Lado Esquerdo

A preservação da drenagem venosa do baço e do estômago é essencial para evitar complicações como congestão gástrica ou ruptura esplênica. Se a veia esplênica precisar ser dividida, opções como shunt esplenorrenal podem ser consideradas para manter a drenagem adequada.

Aplicação na Cirurgia Digestiva:

Esses princípios técnicos são fundamentais não apenas para cirurgiões pancreáticos especializados, mas também para cirurgiões digestivos em geral. A compreensão dessas técnicas permite:

  1. Planejamento cirúrgico mais preciso
  2. Capacidade de lidar com situações inesperadas durante a cirurgia
  3. Melhoria nos resultados oncológicos e funcionais pós-operatórios
  4. Melhor avaliação pré-operatória de pacientes com PDAC borderline ressecável

Pontos-chave:

  1. O controle vascular meticuloso é essencial para uma cirurgia segura
  2. A mobilização completa do espécime antes da ressecção venosa é crucial
  3. A reconstrução venosa deve visar a manutenção do fluxo mesentérico fisiológico
  4. A preservação da drenagem venosa do lado esquerdo é importante para evitar complicações pós-operatórias

Conclusões:

A cirurgia para PDAC borderline ressecável é tecnicamente desafiadora, mas oferece a melhor chance de sobrevida para pacientes selecionados. No Brasil, onde o diagnóstico tardio ainda é comum, o domínio dessas técnicas avançadas é particularmente importante. Os cirurgiões digestivos devem buscar treinamento contínuo e experiência em centros de alto volume para aprimorar suas habilidades nessas cirurgias complexas. A colaboração multidisciplinar, incluindo radiologistas, oncologistas e cirurgiões vasculares, é fundamental para otimizar os resultados. À medida que avançamos no tratamento do câncer pancreático, a expertise técnica combinada com avanços em terapias neoadjuvantes e adjuvantes promete melhorar os resultados para pacientes com esta doença desafiadora.

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“A cirurgia é como a vida: às vezes é necessário sacrificar um pouco para preservar o todo.” – William Stewart Halsted

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