Ressignificando os Eventos Adversos na Cirurgia Digestiva
Introdução
No campo da medicina, especialmente na cirurgia digestiva, lidar com eventos adversos é uma parte inevitável da prática clínica. Dado o grau de complexidade dos procedimentos e a vulnerabilidade dos órgãos envolvidos, complicações como fístulas, hemorragias ou infecções podem ocorrer, desafiando a habilidade do cirurgião. Embora esses momentos tragam desconforto e pressão, também oferecem oportunidades valiosas de aprendizado. Ressignificar os eventos adversos é uma abordagem que transforma desafios em crescimento técnico e emocional, resultando em uma prática mais segura e eficaz. Este artigo, voltado para estudantes de medicina, residentes em cirurgia geral e pós-graduandos em cirurgia digestiva, explora o conceito de aprendizado pelo contraste e a importância de ressignificar as adversidades cirúrgicas. Discutiremos como essa mentalidade pode ser aplicada na prática, visando a melhoria contínua e a prevenção de complicações futuras.
Desenvolvimento
Eventos adversos, como complicações intraoperatórias ou pós-operatórias, são uma realidade que o cirurgião deve aprender a enfrentar. No Brasil, estima-se que cerca de 7% das internações hospitalares resultem em algum tipo de evento adverso. Na área cirúrgica, especialmente no aparelho digestivo, complicações como fístulas anastomóticas, infecções intra-abdominais e perfurações têm incidência significativa. Tais eventos, no entanto, não devem ser vistos exclusivamente como fracassos, mas como catalisadores para o aprimoramento técnico.
A ressignificação desses eventos é baseada no conceito de reframe (mudar a perspectiva). Adler, em seus estudos sobre psicologia individual, destacou que as dificuldades podem se transformar em oportunidades de desenvolvimento. Para o cirurgião digestivo, esse aprendizado pelo contraste, ou seja, aprender com os erros ou complicações, é essencial para aperfeiçoar suas habilidades técnicas e fortalecer a confiança no atendimento ao paciente.
Aplicação na Cirurgia Digestiva
Em procedimentos de alta complexidade, como ressecções intestinais, gastrectomias ou cirurgias hepáticas, os eventos adversos, apesar de serem inevitáveis em alguns casos, podem ser fontes de aprendizado profundo. A seguir, apresentamos cinco dicas práticas para ressignificar e aprender com esses eventos, transformando-os em oportunidades de aprimoramento:
- Analisar detalhadamente o evento adverso: Logo após a ocorrência de uma complicação, é fundamental revisitar o caso por completo. Analise cada etapa do procedimento, desde o pré-operatório até o intraoperatório. Identificar fatores como condições do paciente, técnica cirúrgica empregada e possíveis fatores de risco não previstos pode fornecer insights preciosos. Por exemplo, em uma cirurgia com fístula anastomótica (complicação que ocorre entre 2% e 12% dos casos de anastomose intestinal), revisar a técnica de sutura e as condições do paciente pode evitar futuras ocorrências.
- Debriefing com a equipe cirúrgica: O aprendizado não deve ser individual. Discuta abertamente o evento adverso com a equipe. Essa prática colaborativa permite que todos os membros aprendam com a experiência, reforçando práticas seguras e permitindo o ajuste de protocolos internos. Estudos mostram que equipes que realizam debriefings após complicações melhoram significativamente a coesão e a prevenção de novos erros.
- Aplicação de protocolos e checklists: Reforçar o uso de protocolos estabelecidos, como o ERAS (Enhanced Recovery After Surgery), tem se mostrado eficaz na redução de complicações cirúrgicas. Ao ressignificar um evento adverso, o cirurgião pode revisar quais protocolos foram seguidos e quais etapas foram negligenciadas. A introdução de checklists específicos para cada tipo de procedimento cirúrgico também pode ser uma ferramenta poderosa de prevenção.
- Investir em simulações e treinamentos específicos: Após um evento adverso, a prática deliberada em simulações cirúrgicas pode ajudar a melhorar as habilidades técnicas. Participar de treinamentos simulados, como em cursos de laparoscopia avançada, oferece a oportunidade de refinar técnicas em um ambiente seguro, aumentando a confiança e reduzindo a probabilidade de complicações futuras em cenários reais.
- Monitorar o impacto emocional: Além das questões técnicas, o impacto emocional de uma complicação deve ser considerado. Estudos brasileiros indicam que o burnout entre cirurgiões pode ser exacerbado por complicações cirúrgicas. Para prevenir a exaustão emocional, é essencial que o cirurgião reconheça a importância da saúde mental. Práticas como meditação, terapia e suporte emocional entre colegas podem ajudar a lidar com a pressão associada a eventos adversos.
Pontos-chave
- Revisão crítica e colaborativa: A análise sistemática e a troca aberta de informações sobre o evento adverso são fundamentais para garantir que os mesmos erros não se repitam.
- Prevenção com protocolos: O uso consistente de protocolos e checklists aumenta significativamente a segurança dos pacientes.
- Educação contínua: A participação em treinamentos e simulações reforça a habilidade técnica e a confiança, especialmente após um evento adverso.
- Saúde mental do cirurgião: É fundamental gerenciar o estresse e o impacto emocional das complicações, garantindo que o cirurgião mantenha o equilíbrio mental ao longo da carreira.
Conclusão
A ressignificação dos eventos adversos na prática cirúrgica não é apenas uma ferramenta de aprendizagem, mas uma atitude essencial para o crescimento contínuo. O sucesso de um cirurgião digestivo depende não apenas de sua habilidade técnica, mas de sua capacidade de aprender com os desafios, adaptando-se a cada nova experiência. Ao transformar dificuldades em oportunidades de melhoria, o cirurgião evolui não só em sua prática, mas também em sua resiliência emocional. Como afirmou Alfred Adler: “A maior força não vem de evitar os fracassos, mas de aprender com eles e seguir em frente“. Ressignificar eventos adversos é parte integrante do caminho de evolução para um cirurgião mais completo e resiliente.
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