Aprendendo com a Cirurgia de Guerra

Cada grande guerra tem sido um catalisador para avanços rápidos no atendimento ao trauma. À medida que os sistemas médicos lidam com os desafios de cuidar de muitas pessoas feridas (militares e civis), muitas vezes em ambientes muito adversos, eles evoluem, se adaptam e improvisam rapidamente. As guerras também provocam investimentos financeiros significativos dos governos em pesquisa e desenvolvimento e atraem algumas das melhores mentes para o campo.

Muitos dos recursos (várias intervenções operatórias, medicamentos, fluidos, curativos, sistemas de transporte rápido, equipes de trauma, atendimento no campo e muito mais) que são considerados garantidos hoje nos centros de trauma civis podem ser rastreados até as guerras do passado. Porém, curiosamente, à medida que a medicina de guerra melhora e evolui para cuidar de lesões piores, a indústria bélica responde desenvolvendo armamentos mais letais.

Assim, a porcentagem de feridos que morrem no campo de batalha (taxa de mortos em ação ou KIA) permaneceu relativamente estática durante o século XX, ficando em torno de 25%. No entanto, o atual conflito é a primeira vez na guerra moderna que a taxa de KIA caiu para 10%. Essa queda dramática é claramente multifatorial em etiologia e reflete o foco em estratégias de prevenção com uso generalizado de armaduras corporais superiores e implantação de veículos militares de melhor design.

Cirurgia de Guerra
Cirurgião

Além disso, os atuais conflitos em andamento alteraram fundamentalmente a forma como cuidamos dos feridos, o que resultou não apenas em taxas de sobrevivência melhores, mas também em desfechos funcionais marcadamente superiores. A cirurgia de guerra tem sido um campo fértil para o desenvolvimento de técnicas e estratégias inovadoras no tratamento de lesões traumáticas. Muitas dessas lições aprendidas no campo de batalha podem ser aplicadas com sucesso no cenário da cirurgia do trauma, melhorando os desfechos dos pacientes.

Prevenção e Controle de Hemorragia

Avanços como bandagens hemostáticas e torniquetes, amplamente utilizados por socorristas militares, têm sido adotados pela medicina civil para o controle temporário de hemorragia compressível ou de extremidade. No Brasil, o curso “Pare o Sangramento”, inspirado no programa militar “Stop the Bleed”, já treinou mais de 100 mil socorristas civis na aplicação dessas técnicas.

Ressuscitação e Prevenção da Coagulopatia Associada ao Trauma

Protocolos de Transfusão Maciça (MTPs) baseados em dados militares priorizam o uso precoce de hemoderivados, evitando cristaloides. Esses protocolos, agora padrão de atendimento em centros de trauma civis, têm demonstrado redução significativa da mortalidade em pacientes com hemorragia grave.

Evacuação Rápida e Transporte de Longa Distância

As lições aprendidas sobre a segurança e o benefício de sobrevida do transporte de longa distância para pacientes gravemente feridos têm aplicações importantes para civis feridos em áreas rurais, onde podem estar distantes dos centros de trauma de referência.

Reabilitação

O atendimento de lesões complexas em sistemas de trauma civis aprendeu muito com a experiência militar mais recente em relação ao manejo inicial da lesão e às necessidades da recuperação funcional de longo prazo. Estratégias de reabilitação abrangentes e tecnologias de ponta em próteses têm sido fundamentais para a reintegração dos pacientes à sociedade.

Pontos-Chave

  • A colaboração entre medicina militar e civil é essencial para a troca de conhecimentos e aprimoramento do atendimento ao trauma
  • Técnicas como bandagens hemostáticas e torniquetes, desenvolvidas em cenários de guerra, têm sido amplamente adotadas pela medicina civil
  • Protocolos de ressuscitação e transfusão baseados em evidências militares têm melhorado significativamente os desfechos em pacientes com hemorragia grave
  • O transporte rápido e seguro de pacientes gravemente feridos, mesmo a longas distâncias, é fundamental para a sobrevivência
  • A reabilitação abrangente, com foco na recuperação funcional, é essencial para a reintegração dos pacientes à sociedade

Conclusão

A cirurgia de guerra tem sido um catalisador para o desenvolvimento de técnicas e estratégias inovadoras no tratamento de lesões traumáticas. Ao aplicar essas lições aprendidas no campo de batalha ao cenário da cirurgia de urgência no trauma cívil, podemos melhorar significativamente os desfechos dos pacientes e promover uma recuperação mais rápida e completa.

“A cirurgia de guerra é a mãe de todas as cirurgias.” – John Kirkpatrick

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