Introdução
A icterícia perioperatória representa um desafio significativo no manejo de pacientes cirúrgicos, especialmente no contexto das cirurgias do aparelho digestivo. Esta condição, caracterizada pela coloração amarelada da pele e mucosas devido ao acúmulo de bilirrubina, pode ter várias etiologias e complicações graves, incluindo insuficiência renal, infecção biliar, e coagulopatia. O reconhecimento precoce e a gestão adequada dessas complicações são cruciais para minimizar a morbidade e mortalidade associadas. Este artigo revisará os principais aspectos do manejo da icterícia perioperatória, oferecendo orientações práticas para médicos em formação e cirurgiões.
Complicações da Icterícia
- Insuficiência Renal (Síndrome Hepatorrenal) A insuficiência renal em pacientes com icterícia é frequentemente causada por uma combinação de infecção, desidratação e efeitos tóxicos diretos dos altos níveis de bilirrubina e outros metabólitos sobre os rins. Esta condição é particularmente perigosa em pacientes com mais de 65 anos e níveis elevados de ureia no sangue. O manejo eficaz inclui a correção da desidratação, o controle da infecção e a monitorização rigorosa da função renal.
- Infecção Biliar (Colangite) A colangite é uma complicação comum da icterícia obstrutiva, especialmente em pacientes com árvores biliares previamente danificadas. Gram-negativos, como Escherichia coli e Pseudomonas, são os patógenos mais frequentemente envolvidos. O manejo inicial inclui a administração de antibióticos intravenosos de amplo espectro e, em muitos casos, intervenções para desobstruir as vias biliares, como drenagem radiológica, CPRE (Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica) ou, raramente, cirurgia.
- Coagulopatia Pacientes com icterícia apresentam síntese diminuída dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K (fatores II, VII, IX, X), além de disfunção plaquetária, o que pode predispor a sangramentos perioperatórios. O manejo inclui a monitorização dos tempos de coagulação (TP e TTPA) e a administração de vitamina K intravenosa quando necessário.
- Imunossupressão Relativa A combinação de icterícia, infecção e diminuição da síntese proteica leva a uma imunossupressão relativa, predispondo os pacientes a infecções sistêmicas, como pneumonia, e comprometendo a cicatrização de feridas. A administração profilática de antibióticos e o suporte nutricional adequado são fundamentais para minimizar esses riscos.
Tratamento Agudo: Abordagens Gerais
- Equilíbrio Hídrico A correção da desidratação é uma prioridade. Em pacientes sem doença hepática pré-existente, pode-se administrar até 1000 mL de cristaloides intravenosos, com monitorização rigorosa do sódio em pacientes com doença hepática. O controle do débito urinário, muitas vezes através de cateter uretral, é essencial para avaliar a função renal.
- Tratamento da Infecção A febre em pacientes com icterícia deve ser investigada com culturas de sangue e o início imediato de antibióticos intravenosos, seguindo os protocolos locais. Intervenções para desobstrução biliar podem ser necessárias urgentemente para prevenir a progressão da infecção.
- Correção da Coagulação A monitorização dos tempos de coagulação deve ser realizada de rotina, com administração de vitamina K intravenosa em casos de prolongamento do TP. Isso é crucial para prevenir sangramentos intraoperatórios e complicações pós-operatórias.
- Nutrição Adequada Uma revisão dietética deve ser solicitada para garantir suporte nutricional adequado, preferencialmente por via enteral. Em casos graves, pode ser necessário o uso de sonda nasogástrica de calibre fino ou, raramente, gastrostomia ou jejunostomia cirúrgica.
Tratamento Agudo: Abordagens Específicas
- Procedimentos Endoscópicos (CPRE) A CPRE com esfincterotomia é frequentemente utilizada para extração de cálculos do ducto biliar comum e tratamento de estenoses ampulares. Em casos onde os cálculos não podem ser removidos facilmente, a inserção de stents pode ser necessária.
- Colangiografia Transhepática Percutânea (CTP) A CTP pode ser usada para inserção de stents ou drenagem externa temporária do sistema biliar obstruído, especialmente em combinação com a CPRE.
- Drenagem Cirúrgica Em casos raros, onde as intervenções menos invasivas falharam, pode ser indicada a drenagem cirúrgica, como a coledocoduodenostomia. No entanto, essa abordagem está associada a alta morbidade e mortalidade, sendo reservada para situações muito específicas.
Prognóstico e Fatores de Risco
O prognóstico em pacientes com icterícia aguda depende de vários fatores de risco adversos, incluindo idade superior a 65 anos, níveis elevados de ureia e bilirrubina plasmática, sepse descontrolada e disfunção multiorgânica. A presença de doença maligna subjacente também é um indicador prognóstico negativo.
Conclusão
O manejo da icterícia perioperatória exige uma abordagem multidisciplinar e uma vigilância constante para prevenir complicações graves. Intervenções oportunas e precisas podem reduzir significativamente a morbidade e melhorar os desfechos clínicos em pacientes com essa condição complexa. Como enfatizou o renomado cirurgião Moshe Schein: “A cirurgia é uma arte, mas o manejo do paciente crítico é a ciência que deve sustentá-la.”
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