Cirurgia Digestiva no Paciente Idoso: Desafios e Estratégias

A população mundial está envelhecendo rapidamente, e o Brasil não é exceção. Atualmente, cerca de 14,7% da população brasileira tem 65 anos ou mais, e espera-se que essa proporção continue a crescer nas próximas décadas. Esse aumento no número de idosos traz consigo um aumento na demanda por cuidados médicos, incluindo intervenções cirúrgicas. No contexto da cirurgia digestiva, os pacientes geriátricos representam um grupo com desafios únicos que exigem uma abordagem cuidadosa e personalizada.

Avaliação Pré-operatória Abrangente

A avaliação pré-operatória é um passo crucial no manejo de pacientes idosos que necessitam de cirurgia digestiva. A definição de um paciente geriátrico é multifacetada, envolvendo idade avançada, comorbidades e declínios funcionais ou cognitivos. Colaborando com a Sociedade Americana de Geriatria (AGS), o American College of Surgeons National Surgical Quality Improvement Program (ACS NSQIP) desenvolveu diretrizes para uma avaliação multidimensional dos pacientes geriátricos.

A Avaliação Geriátrica Abrangente (CGA) é composta por domínios médicos, saúde mental, capacidade funcional, e fatores sociais e ambientais. Essa abordagem permite identificar e abordar os fatores que podem impactar diretamente os cuidados perioperatórios. Estudos demonstram que a implementação da CGA pode reduzir as complicações cirúrgicas, a taxa de cancelamento de procedimentos e o tempo de internação.

Comprometimento Cognitivo e Delirium

O comprometimento cognitivo é uma preocupação significativa em pacientes idosos. Aproximadamente um em cada cinco idosos tem algum grau de demência ou comprometimento cognitivo, o que pode impactar a comunicação, a capacidade de tomar decisões e o consentimento informado. O ACS NSQIP/AGS recomenda a avaliação neurocognitiva de rotina no período pré-operatório, utilizando ferramentas como o Mini-Cog.

No período pós-operatório, o comprometimento cognitivo é um preditor forte de delirium, que ocorre em cerca de 50% dos pacientes geriátricos. O delirium está associado a aumentos no tempo de internação, custos de cuidados e mortalidade. Portanto, a identificação precoce e a gestão de fatores de risco são essenciais para melhorar os resultados dos pacientes.

Depressão e Saúde Mental

A depressão é comum entre os idosos, exacerbada por comorbidades e outros fatores como distúrbios do sono e baixo status funcional. Pacientes com sintomas depressivos pré-operatórios têm maior risco de delirium pós-operatório e dor crônica. As diretrizes do ACS NSQIP/AGS recomendam o uso do Patient Health Questionnaire-2 (PHQ-2) como ferramenta de triagem. A gestão adequada da depressão geralmente envolve uma abordagem multidisciplinar, incluindo medicamentos psiquiátricos e terapia cognitivo-comportamental.

Gerenciamento de Medicamentos

O gerenciamento de medicamentos é particularmente importante em pacientes geriátricos, que frequentemente utilizam múltiplos medicamentos (polifarmácia). É fundamental revisar toda a medicação do paciente, incluindo medicamentos de venda livre, vitaminas e produtos herbais, para evitar reações adversas e interações medicamentosas. Diretrizes específicas, como os Critérios de Beers da AGS, ajudam a identificar medicamentos potencialmente inadequados que podem aumentar o risco de comprometimento cognitivo, delirium e quedas.

Estado Funcional e Fragilidade

A fragilidade é um preditor mais preciso de risco cirúrgico do que a idade cronológica. Caracteriza-se por uma combinação de fraqueza, fadiga, perda de peso, baixa atividade física e mudanças cognitivas. A avaliação da fragilidade pode ser realizada através de testes práticos como o Timed Up and Go (TUG), que mede a mobilidade funcional. Estudos mostram que tempos de TUG superiores a 20 segundos estão associados a um risco significativamente maior de complicações pós-operatórias em pacientes idosos.

Aconselhamento do Paciente e Consentimento Informado

A comunicação clara entre o médico e o paciente é fundamental, especialmente em pacientes idosos. É crucial que os pacientes tenham expectativas realistas sobre o curso do tratamento e possíveis complicações. A presença de familiares ou cuidadores durante essas discussões pode ajudar a garantir que todos estejam informados sobre os cuidados pós-operatórios necessários. Recomenda-se que pacientes idosos programando cirurgia eletiva preparem uma diretiva antecipada e designem um procurador de saúde. Esses documentos devem ser destacados no prontuário médico para facilitar a tomada de decisões em situações críticas.

Nota Histórica

Como disse o renomado cirurgião francês René Leriche, “Todo cirurgião carrega em seu coração uma pequena cemitério, para onde de vez em quando vai rezar – um lugar de tristeza, onde ele deve procurar uma explicação para seus fracassos.” Esta reflexão é um lembrete constante da complexidade e responsabilidade envolvidas no cuidado cirúrgico de pacientes idosos.

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